Sejamos a beleza que amamos

Você curte beleza, e tal.
Mas, depois de tantos séculos de lutas e feridas dentro de uma cultura patriarcal, hoje o chamado é para uma nova beleza. Ou a
reconexão com a mais antiga beleza. A da essência... A dos clãs...
Você já participou de uma roda de mulheres, seja enquanto dança, ou como clã moderno de focalização e cura? Pois é, o que se pode ver é que os atuais círculos de
mulheres geram cumplicidade bem consciente com a re-sacralização da vida e o interesse por autoconhecimento. É um belo redescobrimento que você pode fazer no meio da vida corrida aí...
Como conta aqui Lucineide Nobre, focalizadora de círculos de mulheres e de danças circulares sagradas, as atuais tecelãs são artesãs de uma nova beleza: a beleza que amam e que vibram.


A beleza é um aspecto da criação, naturalmente revelado na arte, na natureza, no sorriso espontâneo da criança, na manifestação plena da energia criadora e vivificante... Nesse sentido, a beleza de uma mulher está muito além de um corpo jovem, 'sarado', siliconado, lipoaspirado... de uma aparência estética desprovida de substrato, forjada em acessórios e modismos determinados pelo interesse mercadológico que estimula 'falsas necessidades', e impõe um pseudo-padrão de beleza feminina, favorecendo o distanciamento da mulher de sua dimensão essencial.
A beleza da mulher permeia a motivação que a impulsiona em novos recomeços, e se manifesta na capacidade de reencantar o que se apresenta ordinário, comum, tornando-o extraordinário, sagrado; principalmente, reflete o seu estado interior de bem estar, felicidade e sanidade - a sã unidade de corpo/mente/sentimentos alinhada com a dimensão espiritual.

Tal como ocorre com a natureza, que se apresenta singularmente bela nas diferentes estações do ano, a mulher também manifesta a beleza natural nos vários ciclos de sua existência, desde a primeira infância, em sua espontânea graciosidade, até a maturidade adulta, quando ela acolhe suas rugas e cabelos brancos, com a naturalidade e ousadia de quem se permite viver intensamente cada fase da vida, tornando-se imune a essa moderna patologia depreciativa do envelhecimento biológico.

Sabemos que no início da civilização patriarcal, de modo geral as mulheres foram fortemente feridas, violadas em sua beleza fundamental ao ser instituída de forma deliberada e extremada a repressão da sexualidade e sensualidade feminina, com a posse e exploração das mulheres, bem como da natureza e demais viventes, por uma casta auto-privilegiada de homens com o ego desconectado do self.
Como se isso não bastasse, mais tarde, por determinação da autoridade religiosa em Roma e em nome de um "deus masculino todo poderoso", foi deflagrada a “santa inquisição" - mais uma barbárie contra as mulheres; milhares delas foram submetidas às mais perversas formas de crueldade, lentamente, para intensificar o castigo até a exaustão e morte, tão somente por elas não se submeterem ao domínio masculino e serem acusadas como a "fonte de todos os males da humanidade", e estigmatizadas como pecadoras desde a origem. No limiar da pós-modernidade, as mulheres ainda vivem submetidas a restrições e discriminações explícitas ou veladas, com punições desumanas para as que se atrevem a transgredir as limitações impostas em muitas tradições.
É necessário nos apropriarmos desses fatos históricos para a compreensão da origem de uma outra questão bem atual: a "coisificação" da beleza feminina pela avidez lucrativa insaciável da indústria e comércio, numa estreita aliança com a mídia áudio-visual e sensorial. Infelizmente, um grande número de mulheres que ainda não despertou para o compromisso existencial pessoal e indelegável do autoconhecimento, que favorece a percepção lúcida e a ampliação da consciência, continua alimentando esse círculo vicioso da superficialidade. É útil lembrarmos que a verdadeira beleza feminina se manifesta a partir de sua interioridade, pronta para ser compartilhada, contemplada, reverenciada, e, não, explorada, comercializada, profanada.

Consciência para fazer a diferença no mundo - Mesmo com todas as significativas e desafiadoras transformações ocorridas na civilização moderna até os dias atuais, em que a maioria das mulheres tem restaurado uma suposta liberdade de participação e decisão no contexto onde se inserem, muitas ainda não perceberam que a verdadeira beleza feminina é intrínseca à inteireza do "ser", sem nada exagerar ou negar.
Além do reconhecimento da história que denuncia a profanação e o cerceamento da sensualidade, sexualidade e da intuição feminina, ou seja, a banalização da vida e o desrespeito ao ser feminino desde o início da atual civilização, é muito importante a conscientização do real poder feminino - generativo e curador. Em todos os tempos a humanidade vivencia uma intensa simbiose com a mulher, na fase gestante, para conseguir tornar-se o vivente que cada ser humano é. E de alguma maneira a mulher se faz presente nos momentos mais significativos da existência de cada pessoa, nos instantes mais sombrios e também naqueles mais luminosos, a partir do nascimento até o derradeiro suspiro.
É a consciência dessa força feminina capaz de proporcionar condições à "gestação do novo, belo e saudável", de apoiar os outros seres nos momentos mais delicados, de se envolver intensamente em favor da vida, que pode criar uma massa crítica e fazer a diferença no mundo.
Essa consciência que foi sendo intencionalmente velada, distorcida na civilização patriarcal, era naturalmente difundida por nossas ancestrais, na civilização antiga, através da ritualização da vida em sua ciclicidade; sobretudo na lunação da mulher - o período da menstruação - quando a fisiologia feminina favorece a introspecção, a intuição, os alcances essenciais na dimensão da consciência e o fortalecimento do ser.

Nós, mulheres, somos a metade da humanidade capaz de nos curarmos e favorecer o surgimento de uma nova civilização, consciente da alteridade de cada pessoa e da unidade da vida. Mais que antes, precisamos honrar nosso livre arbítrio, exercitando atenta e inteligentemente as nossas escolhas, priorizando o cuidado sensível, sutil e altamente eficaz na harmonia integral, no campo energético, emocional, mental e no corpo físico, ampliando o bem estar e ressaltando a beleza natural.

A propósito, existe um vasto repertório de opções bastante acessível, como a utilização de florais, auto-massagem, relaxamento consciente, meditação, prática diária de silêncio e escuta sutil, limpeza da pele com argila, várias modalidades de massagem como do-in, shiatso, rolf, outras atividades harmonizadoras e integrativas como yoga, tai-chi-chuan, tikun, biodança, dança espontânea, danças circulares, contemplação/comunhão com a natureza, nutrição sensorial saudável através de sons orgânicos e imagens fortalecedoras, experimentação poética, irreverente e sagrada no aqui-agora... e, obviamente, escolhas seletivas relacionadas aos alimentos sólidos e líquidos ingeridos, de modo a não poluirmos o microcosmo e o templo sagrado que somos.
Sinto e constato, nos vários círculos de mulheres que já participei e participo atualmente, a lúcida cumplicidade feminina com a re-sacralização da vida, o interesse no aprofundamento do autoconhecimento apoiado na sinergia do circulo concêntrico, e os sinais de restauração da inteireza do ser. Somos mulheres-fiandeiras, com-fiantes, tecelãs e artesãs da beleza transfigurada, que se expande naturalmente no campo energético. Seguimos a própria intuição e o legado de memórias ancestrais e, na sintonia com a natureza e do cosmos, fortalecemos o instinto gregário pela via da afetividade, compartilhamos nossas dores e alcances mais valiosos, e dançamos a beleza de ser quem somos. Na simplicidade e verdade da alma, celebramos a vida e a eternidade no encontro.
A verdadeira beleza feminina é a radiância do cristal interior dinamizado na freqüência vibracional da compaixão. Sejamos a beleza que amamos.

LUCINEIDE NOBRE
Educadora, focalizadora de círculo de mulheres e de danças circulares sagradas
Integrante do conselho gestor da Unipaz-CE, facilitadora d'A Arte de Viver em Paz no Programa Beija-Flor da Unipaz, atuante em consultoria educacional na abordagem biocêntrica e holística
lucineidenobre@yahoo.com.br
FORTALEZA/CE


Fotos: Arquivo pessoal











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Série Temática Edição Absoluta/Beleza. COORDENAÇÃO E DESIGN: RICARDO MARTINS. Foto-topo: Jéssica Pulla, bellydancer, clicada por Toni Bassil.